«Mateus foi o melhor da Liga fora dos quatro primeiros»
Pedro Alves na redação d'A BOLA com o jornalista Nuno Travassos (Foto: Miguel Nunes)

ENTREVISTA A BOLA «Mateus foi o melhor da Liga fora dos quatro primeiros»

NACIONAL28.05.202411:00

Neste excerto da entrevista a A BOLA, Pedro Alves fala pela primeira vez dos motivos que levaram à saída do Estoril, a poucos dias do arranque da temporada, e do trabalho realizado nos 'canarinhos', com referência a Rafik ou Tiago Santos, para além de Mateus Fernandes (PARTE 3)

Vamos recuar aqui à última etapa em Portugal. Deixou o Estoril a poucos dias do arranque da temporada 2023/24. Foi também por divergências de estratégia com a administração?

— Não posso dizer que foi por divergências, mas devido à mudança das regras do jogo. O Estoril acaba por ser a minha casa, um clube que vai viver no meu coração. Não sei se um dia vou regressar ou não, mas devo muito ao Estoril. Entre a primeira equipa e os sub-23, 85% foi eu que contratei. Por isso tudo o que gira à volta do clube praticamente tem o meu cunho. Mas as regras do jogo são feitas no início e não no meio. Íamos trabalhar mais uma vez em função do clube, e não em função do treinador ou do presidente ou do diretor desportivo, e quando senti que o presidente tinha mudado as regras do jogo, achei que as coisas não poderiam correr bem, e para não prejudicar o clube e não prejudicar a minha carreira, saímos a bem, saímos amigos e com o coração claramente salvaguardado porque tenho ali muitas pessoas amigas, que merecem o meu respeito, e aquele passou a ser o meu clube de coração e vai viver no meu coração para sempre. Isso é certo.

—  Marcos Antônio, Matheus Nunes, Toti, Miguel Crespo, Chiquinho, Arthur Gomes, André Franco, Tiago Santos, agora o João Marques…o Estoril fez bom dinheiro em vendas. É esse o principal cartão de visita do trabalho do Pedro?

— Acho que foi isso que me levou a Olympiakos. Quando chego o Estoril está na segunda divisão, com um orçamento de primeira. Esse trajeto de cinco anos não foi só sucesso, foi um caminho, um processo de sofrimento, de resiliência e de trabalho de equipa. Isto é importante para as pessoas que lideram os projetos, e que muitas vezes não dão tempo para os implementar. E eu tive, graças a Deus. Tenho de agradecer primeiramente à pessoa que me contratou, que foi o Frederico Pena. Devo-lhe 50% da oportunidade de passar de chief scout para diretor desportivo. É um passo gigante e ele teve a capacidade de ir buscar-me ao SC Braga. Tenho também de agradecer a António Salvador, porque foi muito aberto, até na minha saída. Aprendi muito com ele, e depois acho que o grande motor foi o chefe que eu tive, o Guilherme Muller, e a equipa que eu escolhi, especialmente o Vasco Varão e o André Sabino. Estamos a falar de profissionais extremamente competentes, bons, e um dia espero voltar a trabalhar com eles. Relativamente aos jogadores, o Matheus hoje está a jogar no City, vemos o Toti [Gomes]… Mas há um jogador com o qual fui muito injusto, e que me arrependo de ter vendido da forma como vendi, que foi o Elias Achouri. Desde que saiu do V. Guimarães, eu disse a mim mesmo que era um jogador fantástico. Tecnicamente foi o melhor que eu apanhei até hoje. Não vou revelar o valor, mas vendemo-lo ao Viborg por uma sandes de torresmos e hoje está no Copenhaga e garanto que, se ainda estivesse no Olympiakos, ia contratá-lo.

— E o que sente ao ver um jogador como o Tiago Santos afirmar-se como um dos melhores laterais da liga francesa, no Lille de Paulo Fonseca?

— O Tiago é um jogador com sorte. É um jogador que fomos buscar para os Sub-23, e se não fosse esse escalão não teríamos falado de Matheus Nunes, Toti, Chiquinho, André Franco, Elias, etc. Desde a primeira hora que achámos que estava ali um talento e, especialmente, uma mentalidade de equipa grande. Estamos a falar um miúdo com 1,70m, um miúdo que atinge uma velocidade máxima de 36 km/h, que tecnicamente é super evoluído. Embora cometa muitos erros posicionais, no um-contra-um defensivo não perde um duelo, e depois no um-contra-um ofensivo, se formos a ver a estatística, está ao nível dos melhores do mundo. Se os grandes não aproveitaram, foi porque não quiseram. E depois houve uma pessoa que acreditou nele: Paulo Fonseca. Demorei um mês a convencê-lo, porque ele insistia na questão posicional, mas eu disse-lhe que ele era muito rico em termos defensivos e ia dar ao Tiago o que ele precisava. Hoje ele agradece-me. Vai ser uma transferência muito grande e o Estoril ainda vai ganhar, porque tem 20%, e o Sporting também ainda vai ganhar. É público que tem uma proposta de €20 milhões do Milan. Se um jogador sai por 5,5 milhões e depois é vendido por 20, é sinal de qualidade. E estamos a falar de um internacional sub-21, que ainda tem um caminho pela frente. Acredito piamente que, quando os Cancelos desta vida  — jogadores fora de série — estiveram um pouco mais cansados, poderemos ter ali o lateral direito da Seleção.

— E a próxima grande venda do Estoril será o Rafik Guitane?

— Fez uma época extraordinária, embora tenha quebrado na parte final, também fruto da equipa não ter alcançado os resultados que pretendia. O Rafik é extraordinário, cabe num plantel de equipa grande. Não digo que seja titular, porque nós também temos que ser honestos: é um jogador muito técnico, muito individual, com uma tomada de decisão acima da média, mas aí estamos a ir para patamares de Neres, Rafa, Di María. No Benfica onde caberia? No Sporting temos Pote, Marcus, o Trincão que fez uma época fantástica. O Rafik tem características únicas, tem tomada de decisão de craque, especialmente no último terço. Também não pode ir para um contexto em que a equipa joga em transição. Tem de ser ataque planeado. Perde poucas vezes a bola e decide bem. Este ano também fez pré-época, ao contrário de anos anteriores, em que também foi operado duas vezes ao joelho. E depois, não se pode falar em venda para o Estoril, mas é preciso destacar o Rodrigo, emprestado pelo SC Braga, e o Mateus que foi o melhor jogador do campeonato fora dos quatro grandes. É um miúdo que está claramente mais preparado do que o Koba. Mas isso não é uma crítica à contratação do Sporting. As pessoas esquecem-se que, após o jogador fazer cinco jogos, mais de 45 minutos, já não pode regressar à casa-mãe. Por isso é que o azar de uns é a sorte de outros. Foi isso que aconteceu, mas não tenho a mínima dúvida de que o Mateus vai ser uma das grandes revelações do próximo Sporting.

— O Estoril continua a lançar jovens talentos, como agora o Wagner Pina e o Fabrício…

— Mais uma vez: se não houvesse sub-23… O Fabrício foi a maior venda da história do Fabril, e o Wagner Pina vem na linha do Tiago Santos e daquilo que nós aproveitámos aqui na zona, e temos condições de trabalho que muitas equipas da Liga 2 não dão ao contexto de sub-23. O Estoril acaba por trabalhar em função daquilo que não dá nos clubes grandes, e tentar aproveitar o talento que às vezes não tem tempo lá. Ainda estava na Grécia quando o Wagner e o Fabrício fizeram a estreia, e enviaram-me mensagem a agradecer, e eu respondi que era fruto do trabalho, da dedicação e da resiliência deles, e não tenho dúvidas nenhumas que vão ser apostas no Estoril.

— E o Estoril continua a dominar o escalão sub-23…

—  Primeiro é preciso dar os parabéns ao meu amigo Filipe [Coelho, treinador dos sub-23] pela conquista da Liga Revelação. Demos-lhe uma oportunidade e ele agarrou. O projeto do Estoril não pode ser o mesmo que Benfica, FC Porto, Sporting ou SC Braga. Se o Estoril ficar em último, o Wagner Pina não aparece, nem Chiquinho ou Toti. Só reparamos neste tipo de jogador com sucesso. Ganhar para formar a ganhar. Eu não gosto de perder nem com as minhas filhas, adoro ganhar, e para isso é preciso ter os melhores e trabalhar melhor do que os outros. Por isso o Estoril está de parabéns.

— Mas tendo em conta os jogadores que tem formado e as condições que oferece, já não seria de esperar outra estabilidade do Estoril na Liga?

— Entra numa parte sensível. O Estoril tem um dono que tem outros clubes, e nos últimos cinco anos investiu zero euros. Qualquer clube da Liga tem uma receita de 3,6 milhões de euros. O Estoril, através do Guilherme Muller, conseguia faturar um milhão em patrocínios, pelo que estamos a fazer 4,6 milhões. Só que o orçamento chave na mão são 10 milhões. Ou seja, o Estoril tem de ir à procura da receita extraordinária. Se não vai ao bolso esquerdo nem ao bolso direito do dono, tem que ser com vendas. Então, como é normal, o Estoril habituou-se a vender, não há continuidade dos grandes jogadores. Há a vantagem financeira a tirar e depois o jogador não quer ficar quando pode ir para um clube melhor. É preciso paciência, pois também é preciso construir um estádio, campos de treino… É preciso dar os parabéns a um clube como o Famalicão, por exemplo, pela academia que tem. Tem qualidade de equipa grande, dá condições aos seus profissionais; não é só ordenados em dia.

- Falou anteriormente do Tiago Santos, que ganhou a titularidade ao Gonçalo Esteves, que estava emprestado pelo Sporting. O que se passa com ele, que ainda esta época andou pela equipa B do AZ Alkmaar?

- O Gonçalo é um menino. Falamos dele porque teve um treinador chamado Rúben Amorim, que o pôs muito novinho lá dentro e deu-lhe uma oportunidade, na qual até esteve bem. Tem um irmão que joga na mesma posição, mas são dois perfis mentais completamente diferentes. O Tomás é mais maduro à adversidade, e o Gonçalo, para mim, tem mais talento individual, mas é menos maduro perante a adversidade. O Gonçalo já começa a ter várias oportunidades que não está a agarrar, e necessita de alguém que o chame à razão e que não desista de um jogador tão talentoso. Joga por fora como joga por dentro, cruza bem no último terço, tem um-contra-um. Tem todas as características de um lateral top, mas alguma coisa está a faltar. Então, acho que tem a ver com as pessoas certas num momento certo e que ele também tenha a humildade e a inteligência de parar para pensar que o mundo não vai parar.

- O André Franco foi um jogador que o Pedro foi buscar a casa para jogar no Estoril. Fica surpreendido com este afastamento no FC Porto?

- O André é um miúdo maduro, pai, extremamente profissional. Não sei o que realmente se passou. Logicamente que as pessoas, mais uma vez, não estão presentes para justificar ou para se poderem defender. Não vejo o André como um miúdo indisciplinado, não o vejo como um miúdo que vai para a noite, como alguém que falta ao respeito, seja ao treinador, ao presidente, ao massagista ou ao roupeiro. É extremamente educado, doce e humilde. Estranhei, por estas características, mas não posso dizer muito mais, que não estava lá.