Luís Freire: «Sinto que haverá um projeto para colocar o Rio Ave num patamar mais elevado»
Jovem técnico dos vila-condenses confiante no crescimento do clube. (Foto: Rio Ave)

ENTREVISTA A BOLA Luís Freire: «Sinto que haverá um projeto para colocar o Rio Ave num patamar mais elevado»

NACIONAL24.05.202410:00

A juventude de Luís Freire não o impede de ter já um currículo assinalável. Subiu do último degrau distrital à elite e assentou arraiais em Vila do Conde, onde diz pretender continuar e, se possível, com objetivos que lhe permitam lutar pelos sonhos que tem. Nesta entrevista a A BOLA, não esconde que o desejo que tem na carreira é o de lutar por títulos. E, por isso, privilegia os projetos desportivos em detrimento da vertente financeira.

Luís Freire cumpriu a terceira temporada ao serviço do Rio Ave, clube que fez regressar ao principal escalão do futebol português depois de o ter guiado à conquista do título da Liga 2 na época 2021/2022. Nos dois anos seguintes, garantiu a permanência dos vila-condenses na elite nacional e olha para o futuro com otimismo. Para o seu, enquanto técnico, e para o dos rioavistas, enquanto instituição.

A sua carreira tem sido construída desde a base até à elite, com subidas de divisão e títulos conquistados. Quem é este Luís Freire que no dia 3 de novembro de 1985 nasceu em Mafra?

- Sou uma pessoa apaixonada pelo desporto. Estudei desporto na Universidade de Évora e ao longo do curso percebi que, mais do que professor, queria ser treinador de futebol. Também naquela onda do José Mourinho, que apareceu na disputa da Liga dos Campeões ao serviço do FC Porto. Essa fase apaixonou muitos quantos estávamos na faculdade nessa altura. A partir desse momento ficou decidido que iria ser treinador.

E como foi o início desse percurso?

- Comecei por Évora, treinando miúdos no Juventude de Évora, e depois também percebi que queria ser treinador de futebol sénior. Acabei por estar como adjunto do Filipe Moreira no Mafra, no Tondela e no Oriental, fiz três anos como adjunto/analista. Também treinava a formação no Ericeirense e acabou por surgir a oportunidade de começar como treinadores de seniores, na altura na III Divisão Distrital de Lisboa.

No Ericeirense, precisamente. Onde os recursos não abundavam, calcula-se…

- Não tínhamos recursos financeiros para construir um plantel e à época ainda era muito a sandes e o sumo no final do jogo. Apesar das dificuldades, construímos um grupo muito bom e em três anos subimos duas vezes de divisão. Depois, com esse bom trabalho que fizemos ali, fomos convidados pelo Pêro Pinheiro, onde também acabámos por ganhar dois campeonatos. Esse boom de termos subido quatro vezes em cinco anos despertou o interesse do Mafra, através do presidente, José Cristo, e do diretor desportivo, Quim Zé, e acabámos por ter esse projeto que nos mudou a carreira. Era um futebol ainda semiprofissional, os meus adjuntos davam todos aulas, mas, mesmo sendo um risco para nós, acabou por ser um projeto muito bom, que culminou com a conquista do título do Campeonato de Portugal. Conseguimos a subida direta à Liga 2.

Seguiu-se o Estoril.

- Sim. No Estoril tivemos um bom trajeto até janeiro, mas depois uma sequência de jogos menos boa acabou por levar à nossa saída do clube. Nessa altura, também com a dificuldade no curso de treinadores, em que algumas coisas não estavam bem e as quais penso ter ajudado a impulsionar a mudança, acabámos por ser aposta do Nacional, onde acabámos por subir à Liga.

E essa subida de divisão ao serviço do Nacional deu-se também com o título da Liga 2, apesar de ter sido numa época marcada pela pandemia da Covid-19.

- Exatamente. Nessa altura estávamos em primeiro lugar. O Nacional foi também uma experiência muito boa. Até porque, estando na Madeira, estávamos fora da nossa zona de conforto. Depois seguiu-se o Rio Ave, num projeto em que entrámos já com muita experiência acumulada, depois de termos passado por todas as divisões e isso também nos deu outro know-how. Isso ajudou-nos a este percurso, sendo campeões da Liga 2 e depois dois anos de permanência na Liga, atingindo os objetivos do clube.

NA HISTÓRIA DO RIO AVE

Está há três anos em Vila do Conde e já conseguiu entrar na história do Rio Ave de forma profunda. Desde logo porque tornou-se no segundo treinador com mais jogos pelo clube (118, estando apenas atrás de Carlos Brito (364), uma autêntica lenda vida dos rioavistas. Atingir este patamar será um motivo de orgulho…

- Claro que é um motivo de enorme orgulho. Nos dias de hoje, o futebol está muito consumista, não é fácil estar tanto tempo num clube a um nível profissional. Para nós, sem dúvida que este tempo de estabilidade no Rio Ave tem sido bastante importante. Estamos a crescer como treinadores. Tanto o presidente [António Silva] Campos como a presidente Alexandrina [Cruz] deram-nos toda a estabilidade para trabalharmos e acreditaram sempre em nós. Mesmo quando tivemos, recentemente, algumas dificuldades.

Falou aí em dificuldades. Entre agosto de 2022 e janeiro de 2024 o Rio Ave esteve impedido de inscrever jogadores devido a uma sanção imposta pela FIFA. Foram também públicos alguns problemas financeiros, com ordenados em atraso em determinada altura da época. Todo este processo, aliado aos bons resultados desportivos, levam-no a fazer um balanço ainda mais positivo destes três anos no clube?

- Queria mesmo destacar isso. Especialmente a presidente deste ano, porque teve sempre uma grande capacidade em manter a estabilidade emocional durante este problema dos salários. A presidente Alexandrina Cruz sempre deu a cara, sempre foi frontal connosco e nós sempre acreditámos nela. Nós tínhamos de resolver os problemas dentro do campo, ela tinha de resolver os problemas fora do campo. Confiámos uns nos outros e todos fizemos o nosso trabalho. Tínhamos várias conversas ao longo da época em que dizíamos que estávamos juntos e que iríamos em frente, com coragem, e nunca nos deixámos cair. Houve sempre uma conexão de dar as mãos e de irmos até ao fim. Só quem passa por situações destas, só quem está lá dentro é que percebe realmente a dimensão deste tipo de problemas. Ter salários em atraso, 50 pessoas à frente, estarmos no fundo da tabela, não podermos ir ao mercado… Não é fácil. E permita-me também destacar os adeptos do Rio Ave, que tiveram uma enorme preponderância. Nunca estiveram contra a equipa e isso foi muito importante. Mesmo quando perdíamos jogos e íamos à bancada eles aplaudiam-nos, em sinal de reconhecimento pela dedicação dos jogadores. No geral, fomos sempre uma equipa que deu a vida pelo Rio Ave e os adeptos, compreendendo o contexto, valorizaram muito isso.

Tudo junto ajudou ao alavancar do clube.

Estamos a falar de três anos muito positivos. O Rio Ave precisava de ser campeão [da Liga 2, na época 2021/2022], tal como precisava da permanência na Liga na época seguinte e na temporada que agora chega ao fim. Só assim poderia ser dado o próximo passo.

Já vincou a preponderância da presidente Alexandrina Cruz. Ao ser eleita, foi escrita uma nova página de história em Portugal, por ser a primeira mulher a presidir a um clube de Liga. Quando tanto se fala em igualdade de género, este foi um sinal claro dessa importância?

Luís Freire ao lado da presidente dos vila-condenses, Alexandrina Cruz (Foto: RIO AVE FC)

- Sim, eu não tinha dúvidas disso. Aliás, logo no início tive uma conversa com a presidente em que lhe disse que, para mim, era completamente igual. Eu tinha a minha presidente à frente e merecia-me todo o respeito. A competência não tem género. Posso até dizer que em termos de gestão emocional foi absolutamente brilhante o que ela fez durante esta época. O controlo emocional que teve, a confiança que deu ao grupo e ao treinador. Protegeu-nos sempre de possíveis ruídos que pudessem surgir à nossa volta. O facto de ser uma presidente do sexo feminino nunca foi, sequer, um assunto.

Antes de irmos à questão da alteração de modelo societário do clube, há uma pergunta que todos os adeptos do Rio Ave gostariam de ver respondida. O Luís Freire tem mais um ano de contrato com o Rio Ave. Vai cumprir esse ano de contrato?

- Tenho muita gente que me ajudou ao longo deste percurso no Rio Ave e queria também focar esse aspeto. Tanto o staff como a equipa técnica. Eu gosto muito de estar no Rio Ave, temos pessoas muito competentes na estrutura, em todos os departamentos, e é muito importante para mim gostar dos elementos com quem trabalho. Os jogadores também foram fantásticos, devo reforçar. Temos de ter uma base para a próxima temporada e há uma série de premissas que vão ser faladas com a administração quando existir essa formalização. Também iremos falar todos na perspetiva de ficarmos com uma extrema motivação no clube. Porque não vale a pena estarmos num clube se não estivermos motivados para esse desafio. E o meu desafio pessoal, e cada vez mais, sou franco e honesto, são projetos ambiciosos.

PROJETAR O CLUBE

Caso se confirme a transição de SDUQ para SAD, com Evangelos Marinakis como investidor, o projeto pode ser suficientemente aliciante para que Luís Freire esteja motivado para continuar no Rio Ave?

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- A conversa que tive com a Direção foi na perspetiva de estarmos otimistas com a perspetiva do que pode acontecer com a entrada do investidor. Falamos na capacidade para podermos fazer um campeonato melhor do que foi feito nestes últimos dois anos, em que estivemos muito limitados, tanto ao nível financeiro, como ao nível das contratações nos mercados de transferências. E eu acredito que isso possa mudar. Essas situações também vão ser discutidas com quem entrar. Neste momento, eu sei o que quero e preciso de saber o que vai acontecer no Rio Ave para que todos possamos tomar decisões. Penso que as pessoas têm ideia da minha continuidade, eu também tenho essa ideia, agora falta formalizar tudo isso para a próxima temporada.

O potencial investimento no plantel pode ajudar a elevar o Rio Ave para outros patamares. Se tudo se conjugar nesse sentido, será utópico pensar no Rio Ave a lutar pela parte superior da tabela classificativa e até a candidatar-se a uma vaga nas competições europeias?

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- Não sou eu que tenho de colocar objetivos. Quem entrar e definir o projeto é que terá de colocar os objetivos e o treinador e o grupo terão de ir atrás desses objetivos. Vamos aguardar. Percebo que toda a gente queria saber mais, tal como eu também quero saber mais relativamente às armas que podemos vir a ter para atingirmos determinados objetivos. Porque não é só dizer que temos objetivos, é necessário termos condições para os atingir. Mas reforço a ideia de que temos obrigatoriamente de ter melhores condições do que as que tivemos nos últimos dois anos e penso que está toda a gente empenhada no clube para que isso aconteça. E quando digo condições não me refiro só a jogadores. Porque depois também a forma como os recrutamos, como são selecionados.

O Rio Ave pode também ter modificações nas suas infraestruturas, nomeadamente com a construção de uma nova bancada no estádio e desenvolvimentos na academia. É também a estas questões que se refere.

- Isso é público, sim. A presidente, na recente Assembleia Geral, explicou um pouco daquilo que pode vir a ser o projeto e eu, como treinador, sou bom profissional, tenho contrato e penso na equipa. Não me compete pensar na globalidade do projeto. Mas sinto, pelo que falo com os responsáveis atuais, que vai haver um projeto que a médio prazo colocará o Rio Ave num patamar mais elevado do que aquele em que tem estado. Para a próxima temporada, não consigo balizar já, mas ao longo da época já poderei analisar quais os objetivos de forma mais concreta. Ainda não tenho esses dados, não sou eu que vou definir isso.

METAS ALCANÇADAS E SONHOS FUTUROS

Nos bastidores do futebol já se vai dizendo que o Luís Freire pode, num futuro próximo, entrar num clube de maior nomeada. Teremos Luís Freire num dos grandes?

- Não fui jogador profissional, apenas joguei na formação do Ericeirense e do Mafra, e não fui adjunto de um treinador de equipa grande. Fiz um trajeto académico, talvez um pouco diferente do que é habitual. Ao longo do caminho fui ganhando um reconhecimento pelos projetos que conseguimos desenvolver. Quando comecei, tinha na ideia chegar à Liga em 10 anos. Era o meu objetivo, apesar de muitos acharem irrealista, e consegui atingi-lo ainda antes desse tempo que idealizei. Sendo ainda jovem, o que posso dizer é que me sinto confortável a jogar para ganhar. Há treinadores que não gostam dessa pressão. Eu joguei sempre para ganhar, para ser campeão. Essa é a minha praia, independentemente do projeto onde esteja inserido. O que eu quero para o futuro é continuar a jogar para ganhar, não só jogos como também campeonatos. De preferência em Portugal.

Se tiver a oportunidade de escolher por um projeto em Portugal que lhe permita lutar por títulos ou um projeto no estrangeiro que seja mais apelativo do ponto de vista financeiro, por qual optará?

- Eu já tive abordagens, já depois de estar no Rio Ave, que financeiramente seriam muito mais positivas para mim. Mas eu nunca decidi pela parte financeira, decidi sempre pela parte desportiva. E vou continuar a decidir assim nos próximos anos. O que sinto é que jogando sempre para ganhar estou sempre mais perto do sucesso. E não há assim tantos treinadores que tenham tido tanto sucesso em tão pouco tempo. E é isso que eu pretendo para a minha carreira. Muito sinceramente, gostava que na próxima temporada o Rio Ave conseguisse dar o passo na perspetiva de poder ficar na primeira metade da tabela classificativa e vamos ver se conseguimos. Mas sinto-me cada vez mais com capacidades para assumir desafios cada vez mais altos, até porque nunca dei passos muito grandes de uma vez só.

MARCAS DE UMA ÉPOCA

O Rio Ave versão 2023/2024 obteve vários registos interessantes. Foram 19 empates em 34 jornadas, uma equipa que pontuou contra todos os adversários e que terminou a segunda volta com a segunda defesa menos batida. Além disso, concluiu o campeonato com 12 jogos consecutivos sem perder. É um Rio Ave que pode ser ainda mais forte daqui para a frente?

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- Isto é uma base e é importante mantê-la. Na segunda volta, por exemplo, fizemos 22 pontos. E a importância dessa base permitir-nos-á olhar para o futuro com mais confiança. A confiança de um treinador também só tem sentido se algumas coisas se mantiverem, para aproveitar essa tal base, e vamos esperar que sim, que haja uma continuidade desse trabalho na próxima temporada.

Quem não vai continuar é Costinha, um dos destaques desta época, que vai rumar ao Olympiakos. Estamos a falar de um jogador que se formou como avançado, primeiro, e lateral, depois, e que hoje é um ala de enorme qualidade. Será uma pena perder o jogador…

- [risos] É uma pena, mas é bom sinal. É sinal que também vamos lançando estes jovens e que eles vão agarrando as suas oportunidades. Para o Rio Ave tem de ser um motivo de orgulho, uma vez que o Costinha fez grande parte da sua formação no clube. O mérito é todo o jogador, que agarrou a sua oportunidade.

O aparecimento de alguns jovens da formação também contou com a ajuda dos jogadores mais experientes do plantel. Privilegiou essa mescla?

- Queremos qualidade independentemente da idade. Os jogadores mais velhos, mais experientes, foram muito importantes para o grupo, sem dúvida. Tiveram muita importância no sentido de o plantel não sentir qualquer tipo de desestabilização. Vimos sempre um Vítor Gomes a dar a cara, um Ukra a dar a cara, um Adrien, quando entrou, a dar a cara, o Aderllan Santos e o Jhonatan também sempre a darem a cara, e, no fundo, esta gente digamos que protegeu os mais jovens. Tivemos a sorte de reunir todo o potencial de juventude que tivemos como também este grupo mais experiente que soube estar à altura.

Objetivos para a sua carreira: treinar um grande, ganhar um campeonato, jogar Liga dos Campeões, ser selecionador nacional? Por onde passará a sua carreira?

- Tenho os meus objetivos e continuo a dizer que o próximo passo é sempre o mais importante. Não podemos olhar muito para a frente sem olhar para o agora. O meu sonho é ser feliz no futebol. Quero chegar mais longe, depois logo se verá onde conseguirei chegar. Não vou traçar metas. Tenho o objetivo de atingir patamares maiores, lutar por títulos. Isso sim, é uma motivação. Tenho idade para lutar por chegar a esses patamares e é isso que eu prometo fazer, é trabalhar e dar o máximo para ajudar o meu clube.