Guardiola? «Este tipo é capaz, um dia, de dar um bom treinador»
Augusto Inácio foi o convidado do programa Conselho de Estádio
JMD - Ao longo da sua carreira treinou o Pep Guardiola no Al Ahli do Catar…
- Sim, estive no Al Ahli e treinei o Pep Guardiola, que se tornou numa grande treinador e é uma enorme pessoa.
VS - Já se perspetivava o treinador que viria a ser?
- Sabe, só nos encontrávamos à noite, porque com 53 graus de dia só à noite é possível treinar. Por exemplo, eu ia cortar o cabelo às duas da manhã. Aquele era o segundo ano dele, no clube, onde ganhava 5 milhões por época. Foi pelo projeto? Era bom dinheiro, e foi, como qualquer um iria. Às vezes íamos para o treino e eu perguntava-lhe o que é que ele fazia durante o dia, já que eu dormia até às duas da tarde, e via a RTP Internacional, que passava a vida a dar os Batanetes e os Malucos do Riso. E o Guardiola disse-me que no primeiro ano teve a família com ele, mas depois desistiu porque a vida era fastidiosa, passada em centros comerciais ou zonas com ar condicionado. Pelo lado dele, jogava golfe [indoor] e ia para o treino.
VS - E aí, como era?
- Muitas vezes, eu parava o treino para corrigir os passes longos ou a receção e dava com ele a ensinar os companheiros, como deviam meter o pé à bola e que tipo de passe deviam fazer…
VS - Durante os jogos, o Guardiola era o líder dentro do campo?
- Ele jogava praticamente a seis, já devagarinho e parado, mas dava instruções aos colegas, mandava-os para a esquerda ou para a direita, fazia-os encostar aos adversários, e eu dizia muita vezes cá comigo: «Este tipo é capaz de um dia dar um bom treinador.» Mas nunca me passou pela cabeça que viesse a atingir o patamar onde está.
JMD - Curiosamente, o Augusto Inácio treinou o Guardiola e o Jesualdo Ferreira o Xavi Hernández…
- Era para onde iam muitos craques em final de carreira. Mas em relação ao Guardiola houve uma situação muito gira. Com aquele calor, os europeus suavam muito mais que os cataris, que estavam habituados ao clima e o Guardiola, quando uma vez foi tomar duche nu, provocou uma grande comoção, porque diziam que era uma ofensa à moral e que tinha de vestir alguma coisa. Foi assim que o Pep passou a tomar banho ou com uma toalha à cintura, ou com cuecas, e depois passou a tomar banho sozinho, para ninguém ver…
JMD - Falava antes do nível a que Guardiola chegou…
- A forma como ele consegue gerir os egos, dominar a cabina e fazer daqueles jogadores uma família capaz de ganhar a Liga dos Campeões e a Premier League, não é fácil. Ali, se um jogadores estrebucha é logo encostado e vão buscar outro, como sucedeu ao João Cancelo, que foi encostado mal contestou Guardiola. Não se trata apenas do saber tático, nem sequer do treino, mas sim de liderar.
VS - Como é que se gerem egos?
- Como dizia José Maria Pedroto, está aqui uma galinha a comer milho, se ela sai do sítio, leva uma pancada, volta e continua a comer; mas se sai do sítio segunda vez não come mais… Com os jogadores que o Guardiola treina, vale a pena multar? Dinheiro é o que não lhes falta. Como é possível combater o ego e fazê-los regressar ao grupo? Vão para o banco ou para a bancada? Por isso é que eu tenho uma admiração muito grande pelo Pep, Guardiola, pelo Klopp, pelo Mourinho, quando era mais raçudo, de faca nos dentes, e conseguia levar os seus grupos também a ganhar.
VS - Acha que o José Mourinho já não é assim?
- Não, não estou a dizer isso. As pessoas vão mudando com a idade e acumulam experiências. Eu, há uns anos, era mais impetuoso, e agora se calhar já não vou tão de frente, já penso mais um bocadinho. E em relação ao José Mourinho, ouço por vezes comentários que me dão vontade de chegar ao pé dessas pessoas e dar-lhes umas chapadas, em sentido figurado. Não tenho procuração do Mourinho, mas dizer que está ultrapassado? Porquê? O que ele fez na Roma foi espetacular, foi um trabalho fenomenal. A equipa estava desfeita e ele ganhou a Liga Conferência e foi à final da Liga Europa. Como é que podem ser portugueses a dizer isso dele, de alguém com um trajeto fantástico?
JMD - Não é por acaso que a última palavra dos Lusíadas é «inveja»…
- Neste momento, ao nível do comentário de futebol, há gente a mais a falar.